Quando você está em uma relação abusiva, você não sabe que está diariamente alimentando um monstro que vai, aos poucos, devorando sua autoestima, seu amor próprio e sua autoconfiança.
Não importa o nível social, grau de escolaridade ou condição financeira: ainda é comum acharmos que o termo “violência doméstica” somente se aplica nos casos que conseguimos enxergar os hematomas. Mas, a verdade é que o abuso psicológico e emocional também é violência e deixa marcas para a vida toda de crianças que sequer entendem a dor e angústia que levam para seus relacionamentos adultos. Maid, série que está na Netflix, é também sobre isso.
Quem não se lembra do termo “mulher de malandro”? Quantas vezes nossos pais usaram esse termo para descrever a mulher que, apesar de uma vida sofrida e repleta de episódios de violência, sempre volta para o marido. Imagino quanto nossas bisavós, avós e antepassados devem ter sofrido com julgamentos desse tipo. Mal sabiam elas do quanto é comprovadamente difícil sair de uma relação abusiva, mesmo nos dias atuais. Nós ficamos condicionadas ao ciclo que se repete, sem que possamos enxergar uma saída. E, quando conseguimos escapar, vem a dura realidade de recomeçar uma vida sem a mínima base emocional, psicológica e financeira que isso requer. Eis o porquê voltar para o “cativeiro” acaba parecendo a única opção de sobrevivência. E a cada volta, menor se torna a força para uma nova tentativa de recomeço, longe do abusador.
São longos períodos de total sentimento de impotência. Sensação de estar dentro de um buraco, simplesmente olhando o mundo passar ao redor, enquanto a dor e o medo dos reflexos em nossos filhos se tornam os companheiros frequentes das noites intermináveis. E assim aprendemos a viver de migalhas, geralmente oferecidas pelo abusador quando há plateia. Por questão de sobrevivência, buscamos maneiras para agradar sempre, contrariar jamais. Nossa necessidade se torna cada vez maior em fazer o abusador parecer o salvador, a pessoa do bem. E assim uma mulher pode passar anos, décadas em uma relação tóxica, sentindo-se culpada por não conseguir ser feliz. Para não surtar, encontramos caminhos alternativos que nos ajude a seguir adiante.
Eu era a louca do trabalho, mas nunca tinha percebido isso, mesmo quatro anos depois de ter recomeçado do zero. Esses anos de terapia me ajudaram a retomar parte da minha autoestima e a abrir os olhos, a mente e o coração para me reencontrar. Nesse contexto assisti à série Maid. E quase desidratei de tanto chorar, em especial no episódio 9, quando vi ali refletido meu sentimento de impotência e abandono, com a personagem afundada no sofá ou no buraco da árvore. Descobri que sou a mistura da mulher que luta para recomeçar do zero, ainda acreditando que a filha não precisa “perder” o pai, com a mãe que se nega a enxergar as relações abusivas a que se submete, uma após a outra.
Além do peso que tirei do peito ao chorar até não poder mais, fiquei aliviada em pensar que muitas mulheres não levem mais 30 anos para enxergar que não precisam viver assim. Fica a dor de expor uma filha a tantas situações traumatizantes. Fica a esperança de dias melhores para tantas mulheres. Fica a missão de contar a minha história, para provar que mesmo aos 52 anos de idade é possível recomeçar. E que existe vida pós relação abusiva. Uma vida de liberdade, descobertas, tempo para o autocuidado e para pedir desculpa à filha, por ter insistido em convencê-la a não enxergar o que os olhos e coração dela já viam muito antes do meu despertar. Gratidão imensa àqueles que me deram um teto para recomeçar e carinho para continuar!
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